Lidos Clássicos: ‘’Té Santa Clara, além ar…’ A graça faz-nos ver. Seus anjos súbitos, nas antemanhãs. Obstinar-se a todos os rumos. Investir, olhos postos no longe a vir, instantes p’lo caminho. As horas de ponta na cidade: Mergulhar o humano, corpo ascendendo no pó, em direcção ao poente, a clamar escombros. Forçoso arrancar a grisu férreo bairros tristes. - ‘Tiram ouro do nariz os poetas…’ Atraem para suas janelas ar puro a remotas paragens: A plenos pulmões inspiram dos cumes himalaicos. Soletram o desconhecido. Constrange-os a humana miséria e por p’los próprios versos a não verem resolvida. Dizem persistentemente paz por condoídas estranhíssimas expressões. - Olhos castanhos, gordo, agreste cara; meio bronco nos pés; alta postura; aspeito incerto, de alegria ou de tristura; nariz dobrado a meio, feroz, torto; ânimo vário, mas mais brando agora; co’a idade inclinado a mover-se-lhe coração ferido; p’los cafés matando os dias; a sorrisos gentis nunca insensível, digo, a cândidas musas; quase só p’lo confesso suportando padres; eis Ochôa: Luas asas lhe deram desta a devaneio. - ‘Num sonho todo feito de incerteza…’ Silêncio, luz branda, amenidade, senti essa presença, essa leveza, que nos conduzem daqui à infinidade. Era a alma das pombas, ou a mesma toalha na mesa, imensidade. Céu sem nuvem nem véu nem sombra escura: A íntima e afável comunhão, contacto imo a imo, amparo na incerteza, a escorrer o luminoso tempo. O segredo dum sorriso. E assim directo achar a mão que na mão ajude a caminhar. - ‘Minha mesa de café. Quero-lhe tanto, a garrida. Toda da pedra brunida. Que linda e fresca que é…’ Lá tempero a solidão, com o café do costume. Do cigarro, que acendo, não mais se lhe apaga o lume. Falhados, todos temos poesia, morte, instantes. Boa é a pedra, que esconde, sob ela, o poeta anónimo, que escreve e rescreve para o esquecimento da vida. E se a patroa se despe? E se o cinzeiro se espalha?
P’la janela rasgada réstia arborizada: Ver-se transparecer o que à face vem florir. - ‘A vida é feita de nadas, grandes serras paradas…’ Fadigas, cantares, gestos, entrega; mãos afagando; cismar fascinada solidão; manso pastar d’alimárias; cuidados desmedidos, lidas esquecidas; aligeirar o olhar até ao ar aberto; colher, flor na haste, o tempo dado. - Aves divagam lonjura, pairam sobre planura, enlevam-me, desvanecem-se pra lá do ar alado, deixando-me saudoso do seu voado curso, antes sonhado. - ‘Não era o vulgar brilho da beleza, era outra luz, era outra suavidade.’ Que me não esqueça; irmã comigo vá; envolva-me inteira; acolha-me meiga; abrigue-me no canto escuro. - O Horto do Esposo: Apeado cavaleiro persegue, a branda luz, o lugar donde; saudoso ama, e, em arroubo, sonha pátria, por que, arredado, sempre suspirou. Vagamente esmorece; alenta-o o odor a amado corpo; dia alto acorda flores; anela p’la não olvidada garça. - ‘Sôbolos rios que vão, por Babilónia, me achei…’ Onde, atido à confusão, me derivaram lágrimas por Sião. - ‘Yo solo vivo dentro de la Primavera! Los que veis por fuera qué sabéis de su centro?’ Se o eclodir solar se desvanece, na ida claridade ainda me fundo. - ‘O silêncio é tão longo que os cães enlouquecem nas ruas. E as noites ficarão imensas.’ Do Jorge de Lima o povoado trecho em eco, transcendendo plausíveis glosas, nua verdade duns uivos, uns automóveis, por fins do árido Junho. - ‘Eu cantarei d’amor tão docemente, em uns termos em si tão concertados…’ Os distantes ais rememorados não deverão já mais nos ser presentes… Olhos, mãos, vozes às claras madrugadas lançando-se, repetindo-se, nos darão do enlevo moído, saudoso, ausente. Oásis indiciam brandos esgares… Céu carinha, continuemos demanda. Só d’amor feridos figuram-se esquecidos pousos a advir; aos quais indiferentes vagabundamos tidos na pálida ideia da luminosa estada; até a fim movidos no livre acto refeitos nos alongamos. - ‘Maravilha fatal da nossa Idade, irrompas, cavaleiro…’ Verdes ilusões à peleja única arrebates. Conquiste-se-te o Orbe a nova hora havido: A ti se obrigue a submetido íntimo. Cada teu infante firmemente motive sobre-humana simplesa; o Império Quinto já tremeluzindo, elucubre português o Oriente da Vida!
Lidos Clássicos:
ResponderEliminar‘’Té Santa Clara, além ar…’
A graça faz-nos ver.
Seus anjos súbitos, nas antemanhãs.
Obstinar-se a todos os rumos.
Investir, olhos postos no longe a vir,
instantes p’lo caminho.
As horas de ponta na cidade:
Mergulhar o humano, corpo ascendendo no pó,
em direcção ao poente, a clamar escombros.
Forçoso arrancar a grisu férreo bairros tristes.
-
‘Tiram ouro do nariz os poetas…’
Atraem para suas janelas ar puro a remotas paragens:
A plenos pulmões inspiram dos cumes himalaicos.
Soletram o desconhecido.
Constrange-os a humana miséria
e por p’los próprios versos a não verem resolvida.
Dizem persistentemente paz
por condoídas estranhíssimas expressões.
-
Olhos castanhos, gordo, agreste cara;
meio bronco nos pés; alta postura;
aspeito incerto, de alegria ou de tristura;
nariz dobrado a meio, feroz, torto;
ânimo vário, mas mais brando agora;
co’a idade inclinado a mover-se-lhe coração ferido;
p’los cafés matando os dias;
a sorrisos gentis nunca insensível, digo, a cândidas musas;
quase só p’lo confesso suportando padres;
eis Ochôa: Luas asas lhe deram desta a devaneio.
-
‘Num sonho todo feito de incerteza…’
Silêncio, luz branda, amenidade, senti essa presença,
essa leveza, que nos conduzem daqui à infinidade.
Era a alma das pombas, ou a mesma toalha na mesa, imensidade.
Céu sem nuvem nem véu nem sombra escura:
A íntima e afável comunhão,
contacto imo a imo, amparo na incerteza,
a escorrer o luminoso tempo.
O segredo dum sorriso.
E assim directo achar a mão que na mão ajude a caminhar.
-
‘Minha mesa de café.
Quero-lhe tanto, a garrida.
Toda da pedra brunida.
Que linda e fresca que é…’
Lá tempero a solidão, com o café do costume.
Do cigarro, que acendo, não mais se lhe apaga o lume.
Falhados, todos temos poesia, morte, instantes.
Boa é a pedra, que esconde, sob ela, o poeta anónimo,
que escreve e rescreve para o esquecimento da vida.
E se a patroa se despe?
E se o cinzeiro se espalha?
P’la janela rasgada
ResponderEliminarréstia arborizada:
Ver-se transparecer
o que à face vem florir.
-
‘A vida é feita de nadas,
grandes serras paradas…’
Fadigas, cantares, gestos,
entrega; mãos afagando;
cismar fascinada solidão;
manso pastar d’alimárias;
cuidados desmedidos,
lidas esquecidas;
aligeirar o olhar
até ao ar aberto;
colher, flor na haste,
o tempo dado.
-
Aves divagam lonjura,
pairam sobre planura,
enlevam-me,
desvanecem-se
pra lá do ar alado,
deixando-me saudoso
do seu voado curso,
antes sonhado.
-
‘Não era o vulgar brilho da beleza,
era outra luz, era outra suavidade.’
Que me não esqueça;
irmã comigo vá;
envolva-me inteira;
acolha-me meiga;
abrigue-me
no canto escuro.
-
O Horto do Esposo:
Apeado cavaleiro persegue,
a branda luz, o lugar donde;
saudoso ama,
e, em arroubo, sonha pátria,
por que, arredado, sempre suspirou.
Vagamente esmorece;
alenta-o o odor a amado corpo;
dia alto acorda flores;
anela p’la não olvidada garça.
-
‘Sôbolos rios que vão,
por Babilónia, me achei…’
Onde, atido à confusão,
me derivaram
lágrimas
por Sião.
-
‘Yo solo vivo
dentro de la Primavera!
Los que veis por fuera
qué sabéis
de su centro?’
Se o eclodir solar
se desvanece,
na ida claridade
ainda me fundo.
-
‘O silêncio é tão longo
que os cães
enlouquecem nas ruas.
E as noites
ficarão imensas.’
Do Jorge de Lima
o povoado trecho em eco,
transcendendo plausíveis glosas,
nua verdade
duns uivos,
uns automóveis,
por fins do árido Junho.
-
‘Eu cantarei d’amor tão docemente,
em uns termos em si tão concertados…’
Os distantes ais rememorados
não deverão já mais nos ser presentes…
Olhos, mãos, vozes às claras madrugadas
lançando-se, repetindo-se, nos darão
do enlevo moído, saudoso, ausente.
Oásis indiciam brandos esgares…
Céu carinha, continuemos demanda.
Só d’amor feridos figuram-se esquecidos
pousos a advir; aos quais indiferentes
vagabundamos tidos na pálida ideia
da luminosa estada; até a fim movidos
no livre acto refeitos nos alongamos.
-
‘Maravilha fatal da nossa Idade,
irrompas, cavaleiro…’
Verdes ilusões
à peleja única arrebates.
Conquiste-se-te o Orbe
a nova hora havido:
A ti se obrigue
a submetido íntimo.
Cada teu infante
firmemente motive
sobre-humana simplesa;
o Império Quinto já tremeluzindo,
elucubre português o Oriente da Vida!